Friday, June 24, 2005

beco


Já era tarde. Os domingos passam muito depressa. Raul parara de chupar no dedo e dormia e sorria. A mãe veio chamar o João e ele levou a bola. O sol a pouco e pouco desapareceu atrás das casas e a rua encheu-se de sombras. As pessoas corriam as persianas. O homem da loja enrolava o toldo. Das janelas baixas vinha o barulho de conversas misturadas com o ruído dos pratos dos talheres e o da televisão.
A Ana que tinha estado quase sempre calada durante toda a tarde, disse que tinha frio.

A Ana quer
nunca ter saído da barriga da mãe
cá fora está-se bem
mas na barriga também era divertido
o coração ali à mão
os pulmões ali ao pé
ver como a mãe é
do lado que não se vê
O que a Ana mais quer ser
quando for grande e crescer
é ser outra vez pequena
não ter nada que fazer
não ser pequena e crescer
de vez em quando nascer
e voltar a desnascer
a Ana quer...

A irmã mais velha da Ana pegou-lhe na mão e levou-a para casa. Virou-se para trás olhou para o Pedro e disse-lhe: Até amanhã.

Manuel António Pina
In: "o beco dos gambozinos"

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Quantas vezes cantei isso quando era puto... :D
Ainda tenho o LP do Beco dos Gambozinhos.. hehe..
Beijinhos

5:42 AM  
Blogger Rosa Félix said...

eu também fartei-me de cantar, mas em cassete. beijinhos de pézinhos de lã

3:31 AM  
Anonymous Anonymous said...

"o homem do toldo embrulhava a loja"! algures perdida no meio de tanto tecnologia acabei por me encontrar num lugar familiar.um lugar de música,de becos,de animais estranhos, de "rauis",de anas, de pedros,de nós..encontrei-nos.n quero crescer.**rita

3:12 PM  

Post a Comment

<< Home